A ideia de cortar o ano em 12 meses é, razoavelmente, recente. Foi o Papa Gregório XIII quem decretou uma mudança na contagem do tempo, seguido hoje na maior parte do mundo.
A alteração foi determinada no dia 24 de fevereiro de 1582 por meio da bula papal intitulada “Inter Gravíssimas”. O documento criou o Calendário Gregoriano, em substituição ao Calendário Juliano, e ajustou o ano civil ao ano solar, período que a Terra leva para dar uma volta completa em torno do Sol. Antes, o calendário seguia o movimento lunar e tinha 13 meses de 28 dias.
Roberto Pompeu de Toledo criou em uma crônica uma frase lendária: “Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.”
Hoje, em pleno século XXI, há quem não respeite essa regra e se revolte com a contagem do tempo. De minha parte, preferiria que o tempo fosse contínuo – o que é uma coisa só admissível aos poetas e aos loucos.
Estamos a menos de cem dias do final do ano, momento em que as emoções vão superar os números.
Porque o calendário do ano termina, as pessoas estarão dispostas a gastar mais do que deviam e a viajar mais do que o dinheiro permite. As famílias vão se reunir e se deliciar em torno de uma mesa, trocar abraços e votos de tempos melhores, assistindo pela TV à queima de fogos no mundo.
Durante minha infância e juventude em Anápolis, o momento mais marcante da virada do ano era participar de um culto na igreja Evangélica na Vila Jaiara e voltar ao Abrigo com um grande vazio no peito. Sem familiares próximos, não havia fogos de artifício, nem abraços calorosos, expansões de sentimentos, nem os desejos de "Feliz Ano Novo".
Agora, felizmente, posso desfrutar de deliciosas emoções de final de ano, como estar em família, brindar com quem amo, enfim, celebrar a vida com gosto, provando de prazeres que são dádivas recentes.
Quando decidi escrever esta crônica, baseei-me na sabedoria de minha mulher que costuma dizer: “de agora adiante, o ano vai voar”. Para nós, tem sido assim todo ano. Hoje, mais idosos, notamos que cada ano está mais veloz, principalmente a partir de setembro.
Dona Carmem, minha querida e saudosa sogra-mãe costumava dizer que “se o tempo está passando rápido é porque está bom. Tempo ruim passa muito devagar...”
A ideia de merecimento do tempo que virá tem a ver com o que fazemos. Sonhar com o novo e esperar bons momentos. O tempo sempre há de nos conceder o que merecemos, se entendermos que é de dentro que vem aquele bem-estar que se expande em celebração.
Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Passagem do Ano” diz:
“O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
(...)
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.”
É excepcional a síntese desses versos de Drummond. A poesia dele nos prova que este será apenas o final da contagem desses doze meses de 2024.
Até o derradeiro dia do ano, podemos permanecer fortes como as árvores do Cerrado, aguardando a estação das chuvas e esperando que o próximo ano seja muito superior a este.1
Crônica publicada no Jornal O Popular, Goiânia, 23/9/2024
Genial, Queiroz. Inspirou-me a fazer um texto a partir do teu.