Depois de uma temporada nos Estados Unidos, retorno a Goiânia onde as fortes chuvas vêm me lembrar do vigor da mudança do clima e da importância do nosso lar, nossa terra. De certa forma, cruzei pelos ares o rio da fronteira de minha terra, como antes fizera, de trem, o poeta goiano Leo Lynce que registrou a emoção nestes versos notáveis:
“Quando se vem de fora
e salta o Paranaíba,
o trem de ferro tem um ruído diferente,
uma sonora vibração de jazz
a enternecer a alma da gente...
Nome bonito — Goyaz!
Que prazer experimento
sempre que o leio
nos vagões em movimento,
com aquele Y no meio!”
No poema “Viajando para Bizâncio”, o poeta irlandês William Butler Yeats brinda o leitor com a escavação da ansiedade por aquilo que está por terminar, pela vida que se esvai. É tema comum a todos os humanos, mas bem poucos tomam consciência dessa angústia ou a evitam, para não pensar na viagem irreversível, no declínio físico, no último desembarque.
“Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final.”
Bizâncio é a metáfora do poeta para um lugar imaginário onde é possível escapar dessa angústia de pensar na última viagem e mergulhar no utópico, na fuga dos limites do humano, mirando o ideal de perfeição.
“Aquela não é terra para velhos. Gente
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
— gerações de mortais — cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sémen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.”
O então idoso poeta Yeats se sentia “tentado a fugir das limitações do tempo e do espaço, buscando o uno e o imutável”, insistindo em viajar em águas imaginárias e velejar “vencendo as ondas e a distância, /em busca da cidade santa de Bizâncio”.
É dessa aura de sonho que meu coração idoso se abastece, em uma viagem real com direito a uma baldeação para o território do espírito.
O viajante atento retorna com uma alta carga emocional pela visão de novas paisagens, da descoberta de pessoas, de horizontes e sabores diversos do que está habituado a conviver.
Foi assim que, ao longo dessa recente viagem, reencontrei a alegria de ler e escrever poesia. Os poemas que ousei revisar e concluir durante nossa curta temporada em Alexandria, nos Estados Unidos, me acalentaram o espírito, como se reabilitasse a voz e a reintegração de posse do direito ao sonho e à expressão literária, aqueles bens que Yeats diz serem “as obras do intelecto que nunca envelhece”.
Depois dessa tão intensa carga de novas informações, no fundo do coração uma pequena ansiedade repousa, ansioso para cruzar o Paranaíba a bordo do avião – e ter ouvidos para aquela “sonora vibração de jazz” capaz de enternecer a alma do filho da terra.
Convincente, Leo Lynce nos convida a continuar cantando as coisas do espírito e a alegria do nosso espaço no mundo.
“Goyaz! recendente jardim,
feito para a volúpia dos sentidos!
Quem vive neste ambiente,
sorvendo o perfume da seiva
que erra no ar;
quem nasceu numa terra assim
por que não há de cantar?”
A esse chamado, desejo muito continuar dizendo “Sim”, entoando meus cantos.