Ventos de Agosto
Memórias
A secura do mês de agosto em Goiás desce até o mais fundo do peito, os olhos ardem, a garganta se mostra cansada, chegando a comprometer a voz – sentimos o coração apertar mesmo nas pequenas caminhadas. As vias aéreas ditas superiores sentem-se superadas, inferiores diante do tempo tão seco. Ainda bem que, daqui a pouco, a natureza nos compensará com as floradas dos ipês e suas boas recordações.
Sempre que revivo essa passagem do friozinho do final de julho ao tempo seco de agosto, é como se eu fosse enviado direto à minha adolescência, quando ia passar as férias na casa dos meus tios em Taguatinga.
Tio Adalberto e tia Luzia me acolhiam por quase um mês em sua casinha de madeira, naquela nascente e empoeirada cidade. A farra com os primos era muito boa, típica de meninos que podiam brincar à vontade, gozando a liberdade que a cidade em construção ainda permitia: jogar futebol, disputar partidas de “bete” e, se as primas estivessem junto, nos permitíamos até brincar de queimada e “passa-anel”.
Certa nostalgia salta daquelas jornadas e me revejo jogando bola no campinho de terra com meus primos e os amigos deles. Na minha solitária posição de goleiro, quando o vento levantava a poeira ficava difícil enxergar a trajetória da bola e, às vezes, era inevitável “tomar um frango”.
Sempre voltava para o orfanato das férias em Taguatinga muito satisfeito com todas as novidades que a cidade me proporcionava, coisas que eram incomuns em Anápolis, onde a rígida educação puritana do orfanato nos impunha limitações nos quesitos festa e alegria.
Em Anápolis, muito estudo, rigor evangélico, trabalho duro na enxada e comida regrada. Na casa dos tios a comida era farta. A comida nordestina da tia Luzia é lembrança que refaz ruínas. Ela fazia o feijão com caldo e muito coentro, diferente do orfanato, onde era servida uma pequena porção de tutu com arroz ou trigo, mas só no almoço, porque na janta era, quase sempre, apenas sopa.
Nas férias, à noitinha, não faltava a alegria do tio violeiro, dos primos criados sob um catolicismo solto, aos quais era permitido até mesmo tomar cerveja, contando com a simpatia dos adultos que deixavam a meninada livre para pequenos namoricos.
Por não ter conhecido meu pai, duas figuras masculinas àquela época atraíam a admiração do menino que eu fui. A figura de Sêo Roque, o diretor do orfanato, era quase a de um professor. Em oposição a ele, a figura do meu tio Adalberto, artista e boêmio, que eu via apenas uma ou duas vezes por ano.
Ambos mitológicos, substituíam o pai ausente. Era como se eu transitasse entre Esparta e Atenas, convivendo com Orfeu apenas nas férias e com um guerreiro espartano no resto do ano.
Lembranças assim me chegam com os ventos de agosto. Contá-las numa história é difícil porque é como sentisse cisco nos olhos, ao ceder espaço à memória antiga e voltasse à infância:
“Sonho a infância em Anápolis,
no Abrigo, no orfanato,
à espera do almoço, cheirando
a trigo da Aliança para o Progresso.
(...) nada é narrativo na poesia
um pátio é um pátio
e um quintal, sementeira da memória.”


Sua descrição tão perfeita e poética, provoca em quem o lê o mesmo sentimento saudosista.
Que maravilha, Adalberto.