Um trem na memória
Crônica de viagem
Recentemente, ao passar em frente à velha estação ferroviária de Goiânia resgatei uma memória antiga e ainda viva: a de uma viagem em 1974 para Ouro Preto. Creio ser oportuno recuperá-la agora.
Guardo com zelo as recordações de viagens, registradas em fotos e anotações em diários. A primeira viagem de que me lembro? – eu a fiz aos seis anos de idade – a travessia de Garanhuns para Anápolis, foi numa jardineira na companhia de meu tios que estavam migrando para Goiás.
A viagem a Ouro Preto não foi um simples deslocamento geográfico porque representou uma enorme transformação interna, um crescimento pessoal e uma expansão de horizontes. Essa viagem acabou se transformando em um evento inesquecível onde conheci novos lugares e pessoas, vivi experiências que me fizeram refletir sobre minha infância, meu lugar no mundo, levando-me a superar desafios. Foram lições valiosas que moldaram o caráter deste viajante.
Eu tinha 19 anos (ainda um menino). E essa marca duradoura na minha memória incluiu momentos significativos, como o chá na casa-ateliê do pintor Carlos Scliar, o Festival de Inverno com show do Quinteto Violado e as visitas aos monumentos históricos, além de experiências que o bom senso recomenda não confessar a ninguém.
Tudo contribuiu para minha formação, ao me trazer novas perspectivas, um novo universo que sequer sonhava existir e me preparou para as inúmeras viagens que se seguiram. Vivenciando esse período de introspecção e contemplação, senti-me como personagem de um romance.
Romances que falam da viagem de formação mostram o itinerário físico do protagonista, refletindo sua jornada interna de crescimento e desenvolvimento. Incluem viagens com mergulhos em culturas diferentes, trazendo experiências que desafiam e moldam o caráter do protagonista.
Ligada ao chamado romance de formação, a viagem é essa jornada de autodescoberta e crescimento pessoal que gera experiências capazes de delinear melhor a personalidade do personagem. No fundo, a verdadeira viagem é aquela que transforma profundamente o viajante.
Naquela época, fui e voltei de trem, e agora me volta à mente como símbolo dessa jornada a música "O Trenzinho do Caipira", com a sua melodia icônica composta por Heitor Villa-Lobos e letra de Ferreira Gullar.
Sempre que a ouço, sinto a essência de um tempo em que o trem-de-ferro era também um símbolo de progresso, de conexão entre cidades e de descobertas pessoais. É uma pena que essa ferrovia não exista mais e não possa oferecer aos viajantes essa experiência existencial que traz à tona sentimentos de novas vivências e de transformação.
"O Trenzinho do Caipira" faz parte das Bachianas Brasileiras número 2, de Heitor Villa-Lobos, e celebra a cultura e a simplicidade do interior brasileiro. A letra do poeta maranhense Ferreira Gullar imortaliza essa jornada:
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar.
Cantando pela serra, o luar.
Correndo entre as estrelas, a voar...
No ar...no ar, no ar, no ar...



Obrigado, @Analice Demanboro Você reverbera Phil Cosineau em seu comentário sobre o poder da viagem (sem barbitúricos, certamente). O livro dele é bem profundo - A arte da peregrinação.
Beto, parabéns pelo texto.
Tenho comigo que Viajar é a Cura!
Muitas viagens, para todos nós.
Sigamos com novos sonhos, viagens e escritas.