Terras que inventei
Ou: Pirenópolis são tantas...
Porque o escritor francês Marcel Proust dizia que “Paris são muitas”, tem o cronista provinciano o direito de dizer: “Pirenópolis são tantas...”
Tantas quanto são as suas igrejas, minas d´água, ruas de pedra, cachoeiras, pomares e seu amor à Cultura e às Artes.
A cidade abriga gente culta, cujos antepassados criaram o primeiro jornal de Goyaz: “A Matutina Meiapontense”. E desde aqueles tempos, mantêm viva a tradição e a conexão com a história de nosso Estado. Famílias ilustres inauguraram o Teatro Sebastião Pompêo de Pina, que foi intendente de Pirenópolis na virada do século (1899-1903). Da cidade, ainda hoje saem obras de arte e pedras de calçamento que se espalham pelo Estado inteiro.
Pirenópolis é mais do que um destino turístico. É um repositório de boas memórias. A cidade, com suas ruas de pedra, seus casarões históricos, suas inúmeras pousadas e bons restaurantes, guarda uma riqueza colonial única. Suas poucas igrejas se erguem como testemunhas do tempo.
As muitas cachoeiras ecoam a melodia da natureza e desafiam os turistas que se decidem por um banho nas águas geladas durante os meses que têm “r” no nome.
Neste curto mês de fevereiro, minha mulher e eu escolhemos celebrar meus 70 anos sem muito alarde, na companhia de um casal de amigos em uma pousada da cidade.
Aprendemos que a vida deve ser celebrada com qualidade e intensidade, mas nem sempre com muito ruído...
Nos anos 1970, o adolescente que eu fui conheceu Pirenópolis e se tomou de paixão pela cidade.
Sinto-me como o poeta Manuel Bandeira em seu Testamento:
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Inventei para mim uma Pirenópolis que não existe nos compêndios e mapas e que guardei na memória afetiva.
A cidade está ligada a muitas histórias reais e interessantes, mas eu me dei o direito de criar a minha própria, ancorada em minhas memórias, com seu inventário afetuoso de banhos de rio e a companhia de meu jovem camarada que tudo me ensinava sobre a cidade, um menino com nome de santo – Bernardino.
Que saudades me traz relembrar quando íamos de sua casa até o rio, numa tarde quente do meu passado. Eu era evangélico e não podia frequentar as Cavalhadas e me deliciar com as farras dos cavaleiros que enchiam a cidade com seus folguedos na época das festas.
Ainda assim, aos domingos esperava ansioso pelo final da Missa na Matriz só para ver o rosto de Branca que me encantava à época.
O amor de Branca não resistiu às próximas férias quando conheci outra menina, Diná. Lembranças que viraram poesia no meu primeiro livro que faz hoje 40 anos de sua publicação:
As católicas festas
eram ainda carambolas
na calçada e no banco da praça.
Furtivos amores
e o jardim de sonhos
que floriu no rosto doce de Diná...Pirenópolis,
o cavalo brabo,
o medo de arraia
equivocados todos —1
não havia senão doces
e frutas,
senão,
e nas madrugadas
o rádio.Pirenópolis,
sermões antigos,
um ópio desregrado –
crente que salvaria
a Humanidade.




Belo texto, mestre. Mas, para além da sua querida Pirenópolis, chamou a atenção o Goyaz. Grafia ibérica maravilhosa, Goyaz. Devia ser assim, para sempre.