Revivi em Nápoles um poema de Fernando Pessoa que coloca o leitor diante do mar e do sentimento “ameaçador de significações metafísicas”, quando o poeta diante do cais, testemunha a chegada e a partida de navios e declara: “todo o cais é uma saudade de pedra!”
Esse sentimento do poeta português me parece similar ao de Milton Nascimento (letra de Fernando Brandt) em uma de suas músicas quando diz:
“...chegar e partir são só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também despedida”.
Como não escrevo para um guia de viagens, comento en passant sobre a beleza de um lugar, às vezes do êxtase que certos momentos nos causam, quando revivemos aquele sentimento de perda do fôlego frente a uma obra de arte ou a um mar de uma cor tão perfeita que parece falsa.
Sabemos pela experiência que a persistente presença desses momentos de êxtase causa um certo desconforto físico e psicológico conhecido por Síndrome de Stendhal, que descreve
uma condição que costuma ocorrer quando a pessoa é exposta a uma grande quantidade de arte, beleza extraordinária ou um acúmulo de experiências culturais intensas, especialmente dentro de um curto período de tempo.
Exatamente por nos sentirmos à beira desse quadro indesejado, foi que decidimos nos acomodar num lugar longe do centro histórico de Bari, sem tantos turistas e nos dedicar mais à leitura e ao repouso desistindo de buscar novas aventuras.
Naquela cidade, fomos à celebração da Missa do Domingo de Páscoa com um sentimento de forte gratidão e alegria por essa viagem que marca meu aniversário de 70 anos, além de celebrarmos nossos 50 anos de casamento.
A segunda-feira que se segue à Páscoa é um feriado intitulado “Pasqueta” na Itália, quando fomos surpreendidos com a notícia da morte do Papa Francisco. A notícia invadiu os noticiários e tivemos nos dias seguintes uma overdose de cobertura jornalística pela Tv e pelos meios impressos e digitais.
Aquela partida de um ser humano tão especial poderia por diversas razões nos levar a refletir sobre a morte como partida, já que a vida e a morte são só dois lados da mesma viagem.
Viajar inclui escolhas, decisões e busca de condições favoráveis ao conforto do viajante. Ao viajar nos damos conta da fugacidade da vida e da viagem, pois, na medida mesma em que acumulamos memórias também nos aproximamos do momento de dizer adeus. Na metáfora da vida como uma viagem – como queriam os místicos cristãos, tudo parece nos dizer que mesmo planejada com desvelo, a viagem nos leva a trajetos que se mostram como algo fugaz: “La vida es un viaje…ya se van, ya se van…”
O filósofo francês Michel de Montaigne encarava o ato de viajar como uma metáfora para a vida: cada chegada traz novas experiências e aprendizados, enquanto cada partida representa o desapego e a transitoriedade da existência. Vale para este cronista a conclusão de Montaigne: “filosofar é aprender a partir”.
Feliz Aniversário(s)!!
Lembranças claramente especiais. Ler seu texto me fez lembrar o Marca d'água, do Brodsky.