Nas aventuras de viagem pelo sul da Itália, encontro paisagens e escritores, como Giacomo Leopardi, de quem reli atenciosamente as cartas do livro “Leopardi, con pieno spargimento di cuore. Lettere sulla felicità, um testemunho de que a sincera abertura do poeta faz bem ao coração do leitor.
Meu antigo mal-estar em relação ao pessimismo de Leopardi vai-se desfazendo, à medida em que conheço mais os lugares e as condições em que ele viveu.
Através dessas cartas, detalhes da sofrida vida do poeta me fazem solidário com seu temperamento melancólico e pessimista, como quando planeja uma fuga da casa paterna e assim se justifica em carta dirigida ao pai opressor:
“Prefiro ser infeliz a ser pequeno, e sofrer a ficar entediado, especialmente porque o tédio, a mãe da minha melancolia mortal, me prejudica muito mais do que qualquer desconforto físico.”
Ou quando o poeta envia à irmã o retrato que dele fizera o amigo Luigi Lolli e nos faz rir de sua autocrítica e ironia com sua aparência:
“Querida Pilla, o meu retrato é muito feio: no entanto, faça-o circular assim, para que o povo de Recanati possa ver com seus olhos físicos (que são os únicos que eles têm) que o corcunda de Leopardi é considerado algo no mundo, onde Recanati não é conhecido nem mesmo pelo nome".
Um ano depois, demonstrando que tinha consciência de que era baixinho, corcunda e muito feio, ele diz a seu pai "Eu não gostaria que o meu retrato fosse divulgado entre aqueles que não me conhecem: é muito feio."
Bela é a poesia dos “Cantos”, de onde retiro trecho do poema "A Giesta: ou a flor do deserto", traduzido pelo nosso ora centenário poeta goiano Affonso Félix de Sousa:
Do pavoroso monte
O destruidor Vesúvio,
A que não alegra outra planta ou flor,
As tuas moitas solitárias vertem,
Perfumada giesta,
Contente com os desertos. Com teus caules
Eu te vi dar encanto aos ermos campos
Que cercam a cidade
A qual foi dona dos mortais um tempo,
E do perdido império
Com o seu grave e taciturno aspecto
Dá fé e testemunho ao que aqui passa.
Eu volto a ver-te neste chão, amante
De lugares do mundo abandonados,
E de infelizes fados companheira.
Estes campos regados
De cinzas infecundas, recobertos
De lava feita em pedras
Que ecoa quando a pisa o peregrino...
Leopardi escreveu este poema em Torre del Greco, cidade próxima ao Vesúvio marcada pela atividade vulcânica e a paisagem árida. Ali estão as forças primitivas e indomáveis da Natureza diante das frágeis ambições humanas.
Diz muito do poeta Leopardi, para quem a vida é entusiasmo, isto é, escuta direta da voz da Natureza e deve se expressar através de sentimentos e ilusões como nessa carta a um amigo que sofria de depressão: “Creio que nenhum homem no mundo, em nenhuma circunstância, deveria jamais dispensar o reforço das ilusões porque estas não são obra da arte nem da razão, mas da Natureza...porque intolerável é a vida sem ilusões e afetos vivos; sem imaginação e entusiasmo”.
Essa me parece deve ser a vida a ser desejada: alimentada por sonhos e afetos, entre prazeres dos sentidos e as delícias do coração.