Nesse janeiro, ao abrir a janela de casa e pousar minhas retinas cansadas sobre o velho tamboril do jardim, enxergo a passagem do tempo que bem pode ser medida pelas árvores que nos cercam.
Carlos Drummond de Andrade, cronista e poeta maior estabeleceu com sensibilidade um diálogo com uma árvore, na crônica "Fala, amendoeira”. Pousando sobre as árvores as janelas do espírito – seus olhos –, notou o poeta que todas estavam verdes, menos uma – o que dava um realce especial à paisagem.
E começa um diálogo antológico com a árvore de folhas amareladas, desejando saber "porque ela fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares", ao que a árvore responde: "Não vês, começo a outonar...". E a amendoeira prossegue, comentando sobre o próprio Drummond:
"Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.”
“Sou tua árvore da guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves...Outoniza-te com dignidade, meu velho."
Aqui no jardim de casa, com os galhos perdidos para o último temporal, novas folhas de um verde profundo e ainda mais galhos secos à espera da próxima chuvarada – ei-lo, meu tamboril. Era exuberante há 17 anos, quando pela primeira vez nos encontramos e assim também eu me sentia, sem nem mesmo pensar no outono da vida... E eis-nos hoje, tornados amigos e próximos desde então.
Foi num curto inverno goiano que escrevi sobre meu velho tamboril:
“o vento desse junho já friorento, à beira desse lago, bate na copa rala de pé de tamboril antigo que mantenho em frente à minha casa – ele me avisa que é hora de virarmos a folhinha da época de nossas próprias vidas. Na próxima jornada chuvosa que virá depois desse friozinho de junho-julho, os galhos mais altos do tamboril mais jovem devem oferecer perigo ao beiral da casa. Estando aqui bem uns 30 anos antes de mim, as árvores merecem meu respeito e a defesa inconteste da vida que representam.”
Hoje, em meio ao verão goiano, penso no outono da vida, assistindo ao inverno do meu velho tamboril e mantendo a esperança de que outros outonos virão. Sei que quando os sinos dobrarem por nós ou por nossos semelhantes, serão as amendoeiras e os tamboris as testemunhas do que teremos sido e do melhor que legamos ao futuro.
A amendoeira e o tamboril ensinam mais do que lições de botânica. É do Tempo que falam, como senhor da exata medida de nossas vidas tão pequeninas neste universo imenso. Meu apelo é, pois, similar ao de Drummond que conclamava sua gente com esses versos:
“Olhai as montanhas,
Olhai as montanhas, mineiros...
olhai-as enquanto vivem...”
E me permito imitar o poeta: olhai vossas árvores, goianos, enquanto vivas estão nossas matas e floridos nossos ipês.
(*) Crônica publicada no Jornal O POPULAR, de Goiânia, 13/01/2025
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Adalberto, meu amigo!
Grata pelo texto, estou a amarelar, é o outono de minha vida, amei seu texto, vou guardo-lo para quando o inverno d'alma chegar!
Compartilho com louvor.
Sigamos juntos!
Muito bonito. É, não sextou, nem sabadou. Só outonou. Ou será que já não consigo enxergar pedaços das estações passadas que ainda restam em mim?