Olhos novos em fevereiro
De Dickinson a Mário de Andrade
O poeta T.S. Eliot declarou em um poema que “abril é o mais cruel dos meses” e a poetisa Emily Dickinson deixou, uma verdadeira declaração de amor ao mês de março:
Caro Março, entre – Como estou – Esperei você antes. Tire o chapéu – Você deve ter andado – Parece estar sem fôlego - Caro Março...
Decidida, ao ouvir as batidas do mês de abril à sua porta, ordena: “Manda trancar a porta – não quero ser perseguida...”
O tributo ao mês se segue e ela recrimina os pássaros e as árvores por não terem se dado conta da chegada do mês de março, sem nenhuma referência ao meu querido fevereiro, que parece mesmo não ser popular entre os poetas que admiro.
O pequeno fevereiro, que marca meu aniversário, representa pra mim uma espécie de David diante de dois Golias: o mais cruel e o mais amado dos meses desses dois poetas.
Sempre amei fevereiro e o aprecio justo por ser mais curto, mais intenso, fugaz e marcante. Poderia escrever um elogio poético similar ao de Emily, com uma que outra palavra diferente, porque, ao contrário do hemisfério norte, aqui não sofremos os rigores do inverno e não há corações gelados que fevereiro tenha que aquecer.
O sol explode aqui, cedendo pequeno espaço às chuvas que anunciam o fim do verão e o início de um Outono nada convincente em Goiânia.
No congresso dos meses, fevereiro se apresenta com sua modéstia temporal, em relação aos que ostentam mais dias e se tornaram os queridinhos dos poetas. Só que não é tamanho que determina o impacto, mas a intensidade e a singularidade. Com sua explosão de cores e alegria, fevereiro, sussurra:
"Posso não ser cruel, nem apaixonante, mas breve como sou, intensidade é minha essência. Trago um fervor que aquece os corações no inverno do Norte e, aqui sob o forte sol do verão, anuncio a folia carnavalesca. Se no Norte sou a antecipação da primavera, no sul, sou o prelúdio da renovação. Apesar de ter menos dias que vocês, deixo uma marca indelével em todos que ousam aproveitar com intensidade cada uma das minhas horas.”
Na sua origem na Roma Antiga, fevereiro tinha um festival de purificação e expiação, conhecido como "Lupercalia", celebrado no dia 15, com rituais de limpeza e sacrifícios para afastar os maus espíritos, garantindo a fertilidade e a prosperidade.
Hoje se festeja tudo menos purificação. Fevereiro libera nossos fantasmas no Carnaval, com liberdade próxima da libertinagem. É como se nos antecipássemos às privações da Quaresma em excessos dos quais podemos nos arrepender depois.
Arrependimento que demonstra o poeta paulista Mário de Andrade, no poema Carnaval carioca, dedicado a Manuel Bandeira como um pedido de desculpas por não tê-lo visitado, por conta da folia:
Eu mesmo… Eu mesmo, Carnaval…
Eu te levava uns olhos novos
Para serem lapidados em mil sensações bonitas,
Meus lábios murmurejando de comoção assustada
Haviam de ter puríssimo destino…
É que sou poeta
E na banalidade larga dos meus cantos
Fundir-se-ão de mãos dadas alegrias e tristuras, bens e males,
Todas as coisas finitas
Em rondas aladas sobrenaturais.



