É sempre a mesma sensação de fugacidade que se anuncia com a chegada do mês de dezembro. É a hora em que as lojas se embelezam para atrair os consumidores, que as luzinhas das vitrines e das vias públicas nos acendem uma leve esperança de renovação da vida; é também hora em que as ofertas de descontos batem à nossa porta, pelos meios de comunicação e de serviços de mensagens.
Em breve, celebraremos o Natal.
Agora, se precisamos de alguns serviços básicos, com frequência ouvimos a resposta pronta, só depois do Natal e não demora muito a resposta será: só no ano que vem...
Por ora, é tempo de as famílias, não importando se com quantos recursos, pensarem no Natal, data por excelência para reunir a família em torno da mesa, para confraternizar, festejar, se alegrar e, por que não, olhar para os assentos vazios dos que se foram ou estão ausentes temporariamente.
É tempo de dar liberdade à imaginação e alimentar os melhores pensamentos, pois é o tempo central da cristandade.
Em 1913, o jovem poeta pernambucano Manuel Bandeira, internado num hospital suíço para tratamento de uma tuberculose, num contexto de sofrimento e solidão, dedicou a sua mãe um poema, onde expressava a dor e saudade às vésperas do Natal:
Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade
A minh´alma se volta. Uma grande saudade
Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência.
Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência
Do rio...E esta saudade é boa como um sonho!
Cada um de nós tem diferentes motivos para pensar na ausência e na saudade como um sonho bom e, esperamos, não como um pesadelo. O ser amado que está distante ou viajou para aquele país de onde o viajante jamais retorna...
Com o passar dos anos, vão-se esvaziando os assentos ao redor da mesa de celebração do Natal e, para os que tem essa sorte, os lugares vão sendo ocupados por crianças e adolescentes.
Dezembro é o momento adequado para agradecer, pois ainda podemos nos abraçar sem que nosso ser seja magoado pela ausência de que nos fala o poeta. Podemos nos perder nas lembranças de infância, enquanto o presente se veste de gratidão por tudo o que temos. Podemos ainda entender a necessidade de renovação que a vida nos oferece, e para isso devemos ser mais conscientes do impacto que temos na vida daqueles ao nosso redor.
Daquele poema escrito por Manuel Bandeira quando tinha 27 anos ao homem de 53 anos, que volta ao tema natalino – em Poema de Natal (1939) –, pode-se medir a passagem do tempo nas linhas cansadas do poeta.
No entanto, ali palpita ainda um coração cheio do olhar de menino para a vida e suas possibilidades infinitas.
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.