A poesia católica brasileira, ou melhor: a poesia escrita por poetas católicos no Brasil, que teve seu auge de produção nos anos 30 e de apreciação nos 50 – parece ter sido excluída do radar da crítica – principalmente da Academia –, embora continue sendo lida e tenha um forte “recall” por parte dos inúmeros leitores que vem conquistando.
É que com as reedições dos livros desses autores surge uma nova geração apaixonada e fiel, neste primeiro decênio (e meio) do séc. XXI. Falar sobre esta poesia, inventariá-la, traçar um mapa de leitura seria missão importante e imperativo citar o quarteto sagrado da Poesia feita por católicos no Brasil do séc. XX: Jorge de Lima, Murilo Mendes, Tasso da Silveira e Augusto F. Schmidt.


Da trindade, muito se ouve na imprensa especializada que parece ter lançado um manto de silêncio sobre a inteligência católica no Brasil. Da parte desta, certa timidez e falta de coragem de dizer, arrefeceram a divulgação das obras, prejudicando a manutenção de uma tradição de inteligência católica no Brasil.
O fato é que de Jorge, Murilo e Schmidt há uma fortuna crítica significativa. Resta a um quarto elemento aposto a essa tríade (Tasso da Silveira) um pequeno espaço – pois que o Tasso – conhecido apenas de um iniciado círculo de apaixonados por Curitiba, depois do Rio de Janeiro, onde foi professor (e pela literatura produzida nesses dois estados), além de um semicírculo de iniciados na poesia dos chamados Poetas de Deus. Todos carecem de uma luz terrena que ilumine uma poesia tão bela e atemporal.
Tal como o músico austríaco Antón Bruckner foi designado como o “músico de Deus”, epíteto que lhe concedeu Franklin de Oliveira, gostaria de neste pequeno artigo falar dos poetas de Deus no Brasil, pinçando amostras de poesia falada da tríade dos poetas de Deus no Brasil do século passado.
Por menor que seja a contribuição que isso possa dar à crítica de nosso tempo, a história da literatura e da poesia ter-se-á penitenciado de sua culpa por tão longo silêncio. Nessa tradição da inteligência católica, de Jorge, Murilo e Schmidt há uma fortuna crítica significativa, menor no caso de Schmidt, mas ainda assim representativa no levantamento que se fez antes e durante o cinquentenário de sua morte (em 2015).
Conhecidos por um semicírculo de iniciados na poesia, os chamados Poetas de Deus criaram uma rica lírica que continua viva e digna de ser realçada ante o olhar do público leitor e da crítica literária do séc. XXI.
O arco de tempo, que vai do nascimento do primeiro desses poetas à morte do mais longevo, é de parcos oitenta e dois anos; ou seja, estamos falando de menos de um século de poesia (1893 a 1975) - um piscar-de-olhos na história da literatura universal, nem por isso, seria uma piscadela a que o leitor pudesse ficar alheio.
O grande crítico alemão Theodor Haecker, ao falar da poesia de Virgílio, destacou uma tríade de motivação para a poesia, que parece repetir-se nos poetas aqui citados e também nos novos poetas católicos dos tempos atuais: falava Haecker da insígnia “labor, pietas e fatum” (trabalho, piedade e destino) como o motivador a produção de poesia.
De fato, seguindo uma Ordem maior e uma estrela que para todos brilhou e o fez com diferenciado brilho e em diversas intensidades, chegará o leitor à constatação que nos poetas aqui retratados os temas acima somam-se à oração, à devoção, ao sobrenatural que interfere levando-os a seguir o destino poético que se lhe fora reservado.
Num espaço reduzido, necessário se torna pontuar que diverso é o talento dos poetas aqui retratados, tal como diversos são os temas e quando estes se tornam matéria comum, diversa é a forma com que os trataram poeticamente.
As confluências e divergências entre dois deles – Jorge de Lima (1893-1953) e Murilo Mendes (1901-1975) já foram apontadas por Fábio de Souza Andrade no seu excelente estudo “O engenheiro noturno”. Jorge destaca-se por sua obra final (“Invenção de Orfeu”), mas em meio a uma obra heterogênea, onde se incluem sonetos e romances, salta um poeta consciente, no domínio dos temas e das formas, que
“Encarnaria a angústia romântica, intuitiva, sobrecarregada de elementos expressivos, que ganha corpo num jorro de imagens e nas muitas inflexões estilísticas do autor, sempre impelido por um impulso sincero e autêntico...a encontrar novas formas que permitissem cristalizar as constantes ampliações do seu universo poético”.
Murilo Mendes, por sua vez, cujo perfil é reconstruído em “O poeta brasileiro de Roma”, é do quarteto aquele que mais obteve êxito com sua poesia e sua crítica fora do Brasil. Viveu em Roma, morreu em Lisboa, mas sempre manteve os laços com o Brasil e com sua Juiz de Fora (MG), onde nasceu; com Jorge de Lima manteve uma amizade poética e vivencial, que passa pela conversão do primeiro e o reatamento de Jorge com o catolicismo e que foi decisivo na obra futura de ambos.
No estudo sobre esses poetas católicos, o crítico J.C. Zamboni é o que melhor situa o momentum vivido por estes e por outros membros da inteligência católica: “Num país e numa época em que os principais críticos literários brasileiros eram homens sem fé religiosa, ou já sem entusiasmo pela fé, a conversão e militância católica de Alceu de Amoroso Lima foi uma extraordinária novidade, de extensa repercussão, sobretudo a partir de 1928, ano em que assumiu a direção do Centro Dom Vital e de sua revista “A Ordem”, criados em 1922 por Jackson de Figueiredo (mesmo ano da exageradamente famosa semana de arte moderna paulista). Jackson morreu prematuramente, em 1927, e foi o principal responsável pela conversão de Alceu.
“Ainda está por ser feito o estudo definitivo da importância do Centro Dom Vital e de sua revista A Ordem para o pensamento brasileiro, responsáveis pela criação de uma mentalidade cultural cristã disposta a discutir a realidade contemporânea e nela seriamente influir. Aquele periódico criou uma atmosfera favorável à expressão e expansão de uma corrente literária espiritualista, basicamente católica, que reunia nomes como os romancistas Cornélio Pena, Lúcio Cardoso, Octavio de Faria (cunhado de Alceu), Gustavo Corção, José Geraldo Vieira, Plínio Salgado; e poetas como Tasso da Silveira, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, e até o Vinícius de Moraes da primeira fase (que depois trocaria o catolicismo da juventude pelo animismo panteísta dos terreiros de candomblé). Não se deve excluir desta lista nem o poeta Manuel Bandeira, que foi recuperando a fé à medida que envelhecia, nem Mário de Andrade, católico que fingia não o ser.”
Da obra de Augusto Schmidt (1906-1965), a Editora da Cidade (Rio de Janeiro) lançou uma antologia definitiva, além do acervo completo que está por ser garimpado por um pesquisador jovem e preparado para buscar o intrincado da obra do poeta-comerciante. Na “Poesia completa” (1995), a introdução do crítico goiano Gilberto Mendonça Teles é de fundamental importância para o estudioso da poética de Schmidt.
“Nada melhor que a metáfora do caleidoscópio para a representação de sua [de Schmidt] obra poética – as mudanças não passam de aparências: no fundo subjaz uma imagem arquetípica e fundadora que não muda e de que o poeta está sempre tentando dar uma nova versão - “[Schmidt] foi poeta que soube restaurar na poesia brasileira os temas e as tradições literárias mais caras ao humanismo e à modernidade ocidental”.
E a tríade faz-se quarteto, com o advento do poeta Tasso da Silveira (1895-1968). Dele, o professor e crítico Zamboni diz que ele “é o mais homogeneamente católico dos nossos poetas católicos foi sem dúvida o curitibano Tasso da Silveira, cuja obra se encontra infelizmente esquecida dos editores e do público. Quando for reeditado, os futuros leitores de poesia tombarão de espanto (na remota hipótese dessa espécie, a dos leitores de poesia, sobreviver aos predadores culturais desta e das próximas décadas). É, pois “um poeta a ser lembrado sempre. Curitibano, cantou sua terra, viveu a poesia mesmo com a vista cansada lhe faltou. A história do “mais homogeneamente católico” dos poetas-católicos-poetas do Brasil assim se pode contar.”
Num país em que militante é o neo ateísmo, oportuno é resgatar estes poetas, que já têm em novos católicos escritores uma sementeira da poética, desabrochando em obras premiadas e significativas de nossa poesia atual, como a mineira Adélia Prado, a goiana Sônia Maria Santos; os baianos João (Fernandes) Filho e Wladimir Saldanha, além de Daniel Mazza, Bernardo Souto e Lorena Cutlak, entre outros.
Esta é uma fileira em que este cronista se inscreve, buscando inspiração e melhoria contínua dos parcos versos, mas estes serão assunto de um novo artigo. Alguns poemas do quarteto em foco, estão nesta seleta de poesia falada, que pode ser acessada através do link: https://soundcloud.com/adalbertoqueiroz
Obrigado pelo artigo, professor. E, sem dúvida, para além desse propositado esquecimento dos mestres do passado (conquanto mais atuais do que nunca), importante salientar a produção atual dos poetas católicos da atualidade, como o sr. bem fez. Há uma poesia efervescente e de alta qualidade no Brasil, com muito a oferecer. Vamos divulgá-los.
Com a leitura do texto, vem a confirmação de que esses autores, dos mortos aos vivos, carregam consigo um Brasil profundo, com raízes cristãs que não cederam à visão dessacralizada e utilitarista que permeia os meios de comunicação, a intelectualidade e os grandes centros urbanos. Um Brasil profundo que bravamente ainda se faz presente, de modo mais vigoroso do que as fugazes tentativas de encobri-lo.