Caros amigo(a)s: esta é uma edição rápida e desesperada sobre a minha leitura de Modiano, autor que comecei a ler na Alliance Française de Goiânia, nos anos 1981 do séc. XX.
Je ne suis rien. Rien qu´une silhouette claire, ce soir-là, à la terrasse d´un café. J´attendais que la pluie s´arrêtât, une averse qui avait commencé de tomber au moment où Hutte me quittait.
Isso faz uns 200 anos que eu li, mas retorno à edição de poche da Folio, para me lembrar que o Modiano do Prêmio Nobel 2014 já me havia chamado atenção de aluno da AF nos anos 80 do século passado.
E o que vejo agora? O que leio nessa deliciosa trilogia da memória me confirma que Modiano deveria — como Ian McEwan ou Philip Roth — ter ganho mesmo o Nobel. Isso aconteceu em 2014. Então, coloco aqui todos os livros dele que restam em minha biblioteca que já foi saqueada por amigos e inimigos, ao longo desses 40 anos.
Claro que me lembro que quando estive em Paris, em uma das tantas visitas antes de o país ter-se tornado um emirado árabe avançado, eu trouxe dois exemplares deste Dora Bruder, um para presentear uma moça que era minha colega mais jovem que eu na faculdade, a quem incentivei muito a estudar a língua francesa.
Tudo isso passou como se lê em “Flores da ruína”. As pessoas vão e vêm. Essa moça ao envelhecer perdeu a validade e sumiu, como tantos personagens dessa trilogia da memória de Patoche. E mesmo assim…
“Tenho a sensação de que as nuvens, o sol e as sombras de meus vinte anos continuam vivos, por milagre, nesses filmes…”
No meu caso, troco a palavra “filmes” por textos, livros… e estamos combinados.
Eu continuo me procurando nos romances franceses de outrora. É como se as leituras e os domingos me inundassem “com seu odor de folhas mortas” — como em Yves Montand já havia concluido emocionalmente naquele tempo da AF, em que eu era ainda apenas um jovem cheio de ilusões.
Uma canção que me faz lembrar de tanta coisa, amores antigos, ilusões, folhas mortas hoje. Uma pressão no peito como se flores crescessem e me sufocassem — como o fizeram com Modiano.
As notícias em branco e preto que este autor me traz parecem mesmo uma época pós-guerra, pós-revolução, pós-tudo…não consigo parar de ler, e de sofrer docemente todas as perdas.
Ando pelos cafés com o narrador, com o irmão dele — Rudy (falecido ainda menino) — a quem Patrick dedicou “Rue des boutiques obscures”, do qual tenho boa lembrança como leitor e de onde retirei a citação inicial muito parecida ao Pessoa. “Je ne suis rien”. De “La place de l´étoile” (também dedicado ao irmão perdido tão cedo, Rudy) vem isso:
“C´était le temp où je dissipais mon héritage vénézuélien. Certains ne parlaint plus que de ma belle jeunesse et de mes boules noires, d´autres m´abreveuvaint d´injures. Je relis une dernière fois l´article que me consacra Léon Rabatêle, dans un numèro spécial d´Ici la France: “…Jusquà quand devrons-nous assister aus frasques de Raphaël Schlemilovitch? Jusqu´à quand ce juif promènera-t-il impunèment ses névroses et ses épilepsies, du Touquet au cap d´Antibes, de La Baule à Aix-le-Bains? Je pose une dernière fois la question : jusquà quand les métèques de son espèce insulteront-ils les fils de Fance?”
Esse estrangeiro, esse “métèque” há de insultar a todos com sua escrita fora do padrão até que o Nobel o reconheça em 2014. Nascido em 1945, Modiano é um caso de persistência e de uma política do bem-fazer as coisas de um modo único — isto é, contra a corrente.
Não hei de dizer tudo que sei sobre ele, apenas o básico: leiam-no, todos. Vale a pena, antes e depois do prêmio e essa memórias são inspiradoras, porque misto de narrativa ficcional e lembranças reais, onde o pai judeu desaparecido, a mãe (atriz sem presença na vida dos filhos) e pessoas que vão e vêm — vão tecendo uma teia em que nos sentimos enredados e inspirados a fazer o mesmo.
Lembro-me tanto da minha infância, sem pai nem mãe, lendo Modiano nesta trilogia
que até ouso dizer: é bom lembrar do passado mesmo quando os domingos nos lembram (apenas) aquele odor de folhas mortas…