Hoje tentei escrever na minha velha caderneta de notas de viagem e notei que é uma tarefa difícil. Lembrei-me de um amigo que me indicou um crítico (amigo dele), gaúchos ambos, que escrevera um diário inteiro de uma viagem a Buenos Aires em uma caderneta.
Creio impossível um diário em caderneta. Escrever em blocos de notas digitais está cada vez mais fácil para todos; e mesmo um sessentão como eu admite que é mais prático e exequível para um viajante e, principalmente, para um homem que se vale do critério de Goethe: “é impossível estimar um homem que não mantenha um diário”. A forma do tempo da República de Weimar não vale inteiramente nos dias de hoje - nem política, nem artisticamente…
Mantenho o Facebook e o Twitter como uma espécie de cadernos de rascunhos. Não levem muito a sério o que escrevo ali até porque o corretor ortográfico e a impossibilidade de reedição em um e outro são barreiras para a redação.
Fato: um diário de viagem se faz com notas rápidas e alguns registros fotográficos. Quando se tinha que recorrer à Kodak ao Fujifilm era mais complexo. Hoje, reatamos confusos com tantas fotos no celular e ainda bem que o Google nos ajuda a localizarmo-nos ao recordar o momento do clique.
Nesta viagem de três meses ao Extremo Oriente, tenho algumas proteções de seguro (sobretudo de) saúde e reservas para não precisar recorrer ao STF, cujos ministros viajam com recursos públicos.
Porém, não há nenhuma proteção contra a insegurança mental, contra a pandemia, a neurose e o medo próprios de cada um — turbulências, ventos, tempestades e todo tipo de evento meteorológico, incluindo tremores de terra completam a lista. Estes me assustam e me fazem rezar mais e recorrer ao sonífero para um repouso mais duradouro.
Semana passada convivemos com um pequeno tremor de terra. Quando escrevo este post, ainda está presente em minha memória a frase de minha mulher: “você sentiu isso?”. E eu: “acho que o vizinho do andar de cima está dançando ou pulando”. Não. A água tremia na garrafa de dois litros e minha esposa sentiu o sofá balançar. O primeiro tremor de terra é como aquela propaganda do sutiã: a gente nunca esquece.
Saímos de casa há mais de um mês. Nesse período, passamos por Frankfurt (Alemanha), Seul e Busan (Coréia) e estamos instalados em Machida, Tóquio, há uma semana. Alugamos um apartamento por dois meses.
Passando pela Coreia para chegar ao Japão, a “terra do Sol Nascente”, fomos nos adaptando às enormes diferenças: de idioma, de alimentação e até de coisas comezinhas, como o tratamento do lixo, o que é bem relevante aqui para quem aluga um apartamento aqui no Japão. Muitas rotinas se nos impõem, além das consultas sucessivas à previsão do tempo, para nos mantermos informados sobre tufões, tsunamis e tremores de terra.
As pessoas próximas me cravam de perguntas sobre o momento político no país e se isso não me concerne. A distância nos dá uma certa leveza crítica, mas não silencia o stress transmitido pelo noticiário. Vemos turbulência, mas não a sentimos tão na pele como se fora em casa, com amigos, parentes e vizinhos na pressão por posicionamento. Tudo parece mais tranquilo, vivenciando o dia-a-dia do calmo Japão, onde moram minha filha, meu genro e meu neto Rodrigo, alegria dos avós.
…
Preocupa-me mais como separar bem o lixo e entregá-lo no dia certo do que a rotinas dos ministros viajantes do Supremo Tribunal ou a massa justificadamente revoltada em São Paulo ou Nova York.
Leio textos que me inspiram como os recentes posts de Pedro Sette-Câmara e Martim Vasques — são jovens dispostos à exposição pública e este não é o meu caso. Sou um idoso que mereço curtir essa viagem ao Extremo Oriente sem culpa do que o coletivo está decidindo. Não é mais meu tempo de grandes decisões, senão de expectativas. Talvez seja mesmo meu tempo de rezar. Pela paz no país em que nasci e pela estabilidade do tempo aqui na Terra do Sol Nascente… Sayonara!
Tomara que o restante da viagem seja tão bom quanto o que parece estar sendo...