Mesmo um turista experiente com um bom plano de viagem, sente a certa altura uma exaustão do roteiro programado.
É assim que me sinto, depois de percorrer quase 4 mil quilômetros de carro, e muitos outros de trem e de navio em dois meses e meio no sul da Itália.
Se Roland Barthes intitulou o Japão como uma “nação fictícia” pela quantidade de enigmas a serem decifrados pelo turista, eu diria que a Sicília é uma nação dentro de uma nação existencial – a Itália.
Observando as cidades, as igrejas, as praias, os restaurantes, o comércio e as pessoas, a Sicília me parece ser uma ficção que insiste em ser verdade e um sonho que dá certo.
É como se o mundo em volta houvesse mesmo imaginado um pedaço de terra e, por acaso, ele se tornasse real – em clima, em geografia, em visual, em certa desorganização e com o improviso da melhor gente em torno.
A Sicília já foi muitas vezes considerada terra sem lei e, em outras, terra multiétnica em busca de identificação. Sabemos que não foi fácil tornar-se a legendária Sicília, este caldeirão de culturas, uma mistura de sangues, decorrente de situações históricas que moldaram a identidade do povo siciliano ao longo dos séculos.
No romance “O Leopardo”, o personagem Don Fabrizio representa a velha aristocracia siciliana confusa diante do novo Estado unificado.
Na série que pode ser vista pelo Netflix, o autor siciliano Tomasi Di Lampedusa define a natureza desse povo tão diverso dos italianos que vivem no norte do país em diálogo com Chevalley, um piemontês que representa o novo governo do Reino da Itália:
“Nós, sicilianos, fomos acostumados por uma longuíssima hegemonia de governantes que não eram da nossa religião, que não falavam a nossa língua, a dividir os cabelos em quatro. Se não o fizéssemos, não escaparíamos aos cobradores bizantinos, aos emires berberes, aos vice-reis espanhóis. Agora o hábito está enraizado, somos assim. Eu disse ‘adesão’, não ‘participação’.”
Há pelo menos vinte e cinco séculos que carregamos nos ombros o peso de magníficas civilizações heterogêneas, todas vindas de fora, já completas e aperfeiçoadas, nenhuma germinada por nós mesmos, nenhuma a que tenhamos dado o tom; somos tão brancos quanto você, Chevalley, e quanto a rainha da Inglaterra; e, no entanto, há dois mil e quinhentos anos somos colônia. Não digo isso para me lamentar: em grande parte é culpa nossa; mas estamos cansados e esvaziados.”
Na convivência desses dias aqui percebi na alma siciliana uma certa poesia triste, uma melancolia com certa dignidade, permeada por um certo espírito festivo, frutos, talvez, do contraste que vivenciam entre a incrível beleza natural de sua terra natal, e as cicatrizes das inúmeras dificuldades históricas enfrentadas ao longo de séculos.
Entre a beleza do mar e a aridez das incontáveis montanhas, entre as plantações de limão siciliano e as cinzas do Etna, os sicilianos desenvolveram uma personalidade religiosa e mística permeada com um profundo amor pela ilha da qual tanto se orgulham.

Exausto, depois de tantas experiências impactantes e desafios cotidianos, mesmo tendo me apaixonado pela Sicília, estou pronto para trocar o risoto pelo arroz com pequi na comodidade da minha rotina em terras goianas.
Parabéns Adalberto. Leitura prazeroso você proporcionou.
Excelente texto. Eu que ando com vontade de conhecer a Sicilia me esbaldei.