Da janela do apartamento no segundo andar de um antigo mosteiro, em Nápoles, eu me dou conta de que a chuvinha de primavera prometida para hoje não decepciona, mas me impede de fazer uma caminhada – o que para meus joelhos cansados é uma dádiva, mas é frustrante para minhas retinas famintas de aventura.
O apartamento está literalmente engastado na pedra do monte Echia, de onde se avista o golfo de Nápoles, o Vesúvio e os navios atracados ao longe.
Em dias mais claros se pode avistar as ilhas de Capri, Ischia e Procida – mas a paisagem envolta em nuvens com um sol frágil nos proporcionava uma visão velada, como num filme em que se aplica filtros especiais para enganar o espectador.
Venho a Nápoles pela primeira vez e ao caminhar no quarteirão São Ferdinando, me dou conta de quanto me agradam as pequenas cidades pois o bairro parece uma cidade menor dentro da metrópole napolitana. Caminhamos pela Via Santa Lucia como se fosse na Cidade de Goiás. Há um calmo movimento e um silêncio que convida a caminhar, mesmo que vez por outra seja quebrado por uma motocicleta barulhenta ou pela buzina do jovem apressado...
Quando chegamos de Roma pelo trem rápido da companhia estatal de trens (Trenitália ou FrecciaRossa), dizia à minha mulher que estava meio embriagado por tanta beleza que aspirei em Roma e sem iniciativa para visitar outros museus ou galerias de arte.
Voltei à capital italiana inspirado em alguns escritores e seus livros específicos sobre o encantamento com a cidade de Roma, procurei em cinco dias descobrir o que seria a minha versão de amor a Roma. O curto tempo certamente decepcionaria aqueles que passaram longa temporadas na Cidade Eterna, como Goethe, Michel De Montaigne, Murilo Mendes e Afonso Arinos.
Fiz o melhor aproveitamento do museu aberto que se tornou essa cidade inexplicavelmente duradoura e cheia de encantos que atrai turistas de todo o mundo, não apenas durante o Jubileu deste ano e sim todo o tempo em que “o viajante em busca desses antigos caminhos do Saber”
O quadro que ficou pintado em minha mente nessa curta temporada é apenas uma aquarela simples, sem grande valor, diante do que cada viajante constrói na sua essência quando de frente aos quadros, esculturas e igrejas que o envolverão ao visitar Roma.
Sim, porque essa galeria de arte a céu aberto sempre se oferece ao visitante (não sem algum investimento de tempo e euros), propondo um encontro íntimo com a sua própria essência.
De fato, a viagem que fazemos é única, mas se embebeda da visão de outros viajantes, como aprendemos no pensador alemão Walter Benjamin ao falar do flâneur – isto é, o "errante", “vadio" ou "observador" que se desloca. Para ele, “a viagem é simultaneamente objetiva e fantástica, por estar a meio caminho entre a vida real e o delírio, ou antes, entre dois níveis de realidade, a desperta e a onírica”. Daí porque sentir-me embebedado de Roma e continuar desperto na continuação da viagem.
Sentimento semelhante colhi da persona poética de “Ode marítima” de Fernando Pessoa, poema assinado com o heterônimo Álvaro de Campos, que desejava abraçar…
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos...
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É – sinto-o em mim como o meu sangue –Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas:
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!(...)
que brilha ao sol das minhas angústias relvadas...
Crônica originalmente publicada no Jornal O Popular de Goiânia, 21/4/2025.