- Qual o seu problema, senhor?
- Em princípio, não tenho problema?
- Por que veio aqui, então?
- Achei que era o lugar certo para estar.
- Achou errado, mas já que está aqui, qual seu problema?
- Já lhe disse, Senhora, não tenho problema...
- Então, por que veio aqui? Está ocupando o lugar de outrem.
- De outrem? Ah, não sabia que os atendentes de problemas inexistentes usavam linguagem tão rebuscada. Eis uma solução...
- Voltando ao assunto: qual o seu problema?
- I have no problem.
- So, Why are you here then? After all, what's the problem? Your problem?
(...)
- Indeciso, não é? Isso é um problema? Voltemos ao seu idioma nativo que fica mais fácil para o senhor compreender o raciocínio.
- Hum.
- O problema inexiste depois da tomada de decisão, ensina uma sabedoria antiga.
- Hum.
- O senhor precisa de um instrumento para isso e está com sorte hoje. Eu tenho dois ou três aqui para premiar os meus pacientes hoje.
- E o que é mesmo isso?
- Ah, sim, ei-la: uma bússola.
- Mas eu não pretendo ficar perdido por ora.
- Não importa. Seu problema é a incerteza do caminho a tomar, como naquela história de Mr. Carroll que virou a baboseira da TV e de palestrantes motivacionais. O senhor deve se lembrar: o diálogo do gato Cheshire com Alice: "Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve", blá-blá – deve ter ouvido isso de qualquer palestrante mediano ou mesmo no YouTube...
- Hum.
- A bússola é como aqueles gravadores de filmes de espionagem – ela se apagará em algum tempo, mas se o senhor a usar com acerto, descobrirá o caminho a tomar e também terá certeza, como no ditado turco: não importa quão longe você foi no caminho errado, volte atrás e recomece. Bem, é isso. Aqui está a bússola e boa sorte!
...
Não deu tempo de agradecer a atendente, porque a portinha do bureau se fechou e não pude ver mais nada nem ninguém. Saí do local e topei com uma pilha de livros. Peguei o primeiro. As coisas vão seguindo um rumo que me agrada, por ora.
Leituras de férias e mais: o problema de ler sem um plano de leitura, ou o possuindo, desrespeitá-lo a cada quinzena ou semana; eis um aparente problema. Eu estava lendo o Murakami no avião que me levava de Guarulhos a Miami, no início de fevereiro. E naquele começo de minha temporada de férias nos Estados Unidos, havia só um livro dele na bagagem – “Romancista como vocação”. Segui lendo, quando o Punxsutawney Phil anúncio que o inverno duraria mais seis semanas. Eu estava já bem próximo da casa de minha filha e netos em Maryland e fiquei bastante preocupado, menos com o frio do que em dirigir na neve e tal, mas havia um Pux concorrente em Nova York que disse que não seria seis semanas e sim menos de três. Torcendo para o Pux de NY, segui viagem e passei um fim de semana paparicando meus netos (não mais, porque teriam aula logo em seguida!). Voltei para o calor de Miami, acompanhado de novos livros (em celulose), adquiridos num sebo de Leonardtown. As confissões de uma máscara (Yukio Mishima) e um volumezinho encantador de Dickens, com meu personagem favorito do escritor inglês – “Oliver Twist”. Pobre Murakami, que foi pra escanteio. Ah, havia também um volume adquirido ao preço de U$ 1,00 por conta de pequena avaria na lombada – o romance de estreia de Thomas Pynchon “V.” do qual comecei a apanhar da leitura ali mesmo em Leornadtown e segui tomando surra até Cocoa Beach e no avião de volta ao Brasil, onde, logo na chegada, pedi pela Estante Virtual a tradução feita por Marcos Santarrita para a Paz e Terra, em 1988. Não parei mais de ler Pynchon, a não ser para fazer uma ou outra Leitura do dia, para não passar por um católico IBGE e ignorar a Quaresma.
Nem só de leitura viverá o homem, mas também de toda a palavra que sai das bocas de cantores, parentes e amigos em conversas que podem durar horas (ou minutos), em torno de um café, um chá ou álcool, de preferência deste. Em Savannah, Geórgia, um casal de jovens que se sentou à mesa ao lado da nossa, iniciou conversa com minha mulher e eu. Os dois terminaram me alertando sobre os fantasmas da cidade – rendeu-me uma crônica quando voltei à ativa em Goiânia (se tiver paciência, o benévolo leitor encontrará minhas crônicas linktree do Beto). Lembro-me de ter conversado rapidamente com um fabricante de rum em Brunswick (Geórgia, EUA), que me disse verdades sobre a bebida que elabora e sobre o bem que pode fazer quando ingerida com moderação e acompanhada de um bom charuto. Já não fumo, tampouco alcancei esta virtude, portanto, deixei a garrafa a um canto da adega, à espera de melhores dias para degusta-la. Planejava voltar a escrever esta Newsletter mais adiante, porque estou atolado em projetos, que me tomam muito tempo, mas retomo hoje por antever já algumas soluções para o mais encrencado desses (montagem a Biblioteca do Futuro, que estou coordenando na União Brasileira de Escritores de Goiás-UBE). É provável que as coisas continuem andando como planejadas, porque as decisões foram tomadas, não tenha que voltar atrás. Au revoir.
Belo apanhado de ideias, Beto. Tu bem que poderias anexar tuas crônicas à Newsletter, tchê
Very good chronicle! Hope you enjoyed your new books.