A China vista pela leitura (3)
Ha Jin e o drama da espera interminável pelo Amor na China de 1960
Eis meu dilema: como escrever sobre este norte americano de origem chinesa (Ha Jin) para o público brasileiro que lê pouco sobre o Extremo Oriente?
- Esta é a questão central que quase me faz desistir deste artigo, quando inicio a escrita, pensando na China, pelo óbvio, como mãe do Oriente, neste esforço de divulgação da literatura asiática (Japão, Coreia inclusos) que faço há cinco anos, mas que traz em si a contradição de amar a China (e os chineses) e repudiar os métodos (de seu Governo) oprimir o indivíduo.
Embora não seja muito tempo dedicado a essa literatura, é um tempo intenso. Leio sobre os eslavos há muito mais tempo, sobre os europeus há mais que o triplo, mas os escritores asiáticos representam uma paixão recente de leitura. E tento transmitir essa paixão de modo racional sem perder a emoção.
Há o problema da contenda entre Oriente e Ocidente, que tentei resolver em artigos anteriores, evocando André Malraux, excepcional autor francês e apaixonado pelo Oriente, para entender as diferenças do que ele intitulou Tentação do Ocidente:
“Nada poderia melhor que os nossos sonhos esclarecer a diferença que separa nossas sensibilidades. Se sonhamos é apenas para pedir aos nossos sonhos a sabedoria que nos recusa a vida. A sabedoria, e não a glória.
“O movimento no sonho” – escrevia o senhor. Eu respondo-lhe: a calma no sonho”. (...) Por muito singular que tal possa parecer-vos [o respeito que ele inspira] o Chinês imagina, se posso exprimir-me assim, sem imagens. É isso que o faz ater-se à qualidade e não à personagem. É por isso que a ideia do mundo, esse mundo que ele não poderia imaginar, corresponde para ele a uma realidade.
Este trecho de uma carta do chinês Ling ao francês A.D. no livro de Malraux pode ser uma chave para entender o que podemos falar após lermos os livros chineses, que resgatam a força do sonho e o contraste com a realidade, às vezes dura, implacável e insuperável. É o caso de um chinês que se fez cidadão norte-americano por não aguentar mais a realidade autoritária de seu país (Ha Jin). A narrativa é antes, e sobretudo, um realismo que choca os ocidentais, mas a vida do autor é, certamente, mais chocante.
O escritor do romance que apresento ao benévolo leitor é o chinês Ha Jin, naturalizado americano, um jovem que se revoltou, à época dos protestos dos estudantes chineses que culminaram com o massacre Praça Tiananmen, em 1989, e decidiu pela cidadania norte-americana, não retornando ao seu país de origem.
Em “A Espera”, Ha Jin aborda de maneira intensa e profunda os conflitos familiares e pessoais que surgem devido às circunstâncias externas, como políticas sociais, que impactam diretamente as vidas dos personagens - “a imposição do coletivo sobre o indivíduo”. O romance narra a história de Lin Kong, um médico e soldado chinês que se vê preso em um casamento sem amor, enquanto anseia por se casar com outra mulher, mas é incapaz de obter o divórcio de sua esposa atual devido às restrições burocráticas e políticas do regime chinês.
A China comunista tinha na moral de Confúcio o que era desejável (e impositiva) para os casais e divórcio era um processo longo, onde nem mesmo um estupro poderia tornar menos doloroso ou menos demorado. Dezoito anos - este foi o tempo que teve que esperar nosso herói Lin Kong para ser feliz com uma “noiva eterna” para os padrões ocidentais, porque a moral chinesa e o partido assim o exigiram.
Os conflitos familiares em "A espera" são exacerbados pelo tempo prologando e pela sensação de impotência dos personagens diante das circunstâncias. Lin Kong, por exemplo, é retratado lutando contra suas próprias emoções e desejos, confrontando as expectativas sociais e as limitações impostas pelo sistema. Sua esposa, Shuyu, representa a outra face desse conflito, mostrando a resignação e a amargura de uma mulher que não consegue compreender ou aceitar o desejo de Lin Kong por outra mulher. Ali também pode ser notado o conflito da China rural contra a urbana - a tradição contra a inovação controlada.
Ha Jin utiliza esses conflitos familiares para explorar temas mais amplos, como a tensão entre o individualismo e as expectativas sociais, o peso das tradições e o impacto das decisões pessoais em um contexto cultural e político particularmente repressivo na era Mao Zedong.
Ha Jin captura as complexidades das relações familiares e os dilemas morais enfrentados pelos personagens de uma maneira que ressoa universalmente, mesmo que o cenário seja profundamente enraizado na realidade específica da China contemporânea. As questões do relacionamento problemático entre Lin, Shuyu e Manna são universais e ganham eco nas teorias do francês René Girard sobre o triângulo amoroso, embora o amor ali esteja em falta em todos os vértices.
É possível concluir que "A espera" não é apenas um drama familiar, mas uma exploração detalhada dos conflitos interiores e das dinâmicas de poder que moldam as vidas dos personagens, revelando as profundezas da psicologia humana sob circunstâncias adversas, sendo que no caso específico a mão pesada do Estado (e do partido Comunista Chinês), decidem sobre o bem e o mal, enfim, sobre a felicidade de nossos personagens.
O Autor
O autor Ha Jin, cujo nome verdadeiro é Jin Xuefei, é um renomado escritor chinês-americano1. Ele nasceu em 21 de fevereiro de 1956 em Liaoning, China1. Ha Jin é o pseudônimo que ele usa, e “Ha” foi adotado por conta de sua cidade favorita, Harbin1.
Ha Jin cresceu durante o caos da China comunista inicial. Durante o uso de uma bolsa de estudos na Universidade Brandeis, Ha Jin viu ocorrer os protestos e o massacre da Praça Tiananmen em 19891. A repressão forçada do governo chinês acelerou sua decisão de emigrar para os Estados Unidos, e foi a causa de sua escolha de escrever em inglês "para preservar a integridade de seu trabalho"1.
Ele completou um mestrado em uma universidade americana e um de seus mentores foi o crítico literário Eugene Goodheart1. Ha Jin é conhecido por ambientar muitas de suas histórias e romances na China, na cidade fictícia de Muji1. Ele ganhou o National Book Award for Fiction e o PEN/Faulkner Award por seu romance, “Waiting” (1999)1. Ele recebeu três prêmios Pushcart para ficção e um prêmio Kenyon Review1.
“A Espera” pode ser considerada uma triste narrativa sobre um divórcio que demorou 18 anos para se concretizar, e cujo estilo realista, típico da ficção chinesa, chega aos ouvidos do Ocidente como algo novo e original, às vezes cansativo e enovelado ( e longo) demais, porém bem oriental.
Aos interessados em poética de enredo (o novelo de Ha Jin):
“A Espera” é um romance que segue as vidas de suas personagens ao longo de várias décadas de mudanças políticas e sociais na China1. O livro conta a história de Lin Kong, um médico que tenta se divorciar de sua esposa, Shuyu, durante 18 anos, para poder se casar com Manna Wu, uma jovem enfermeira do hospital onde trabalha1. Durante estes longos anos, Lin Kong e Manna Wu mantêm um relacionamento sem contato corporal1.
Temas Principais: O livro explora temas como o medo da solidão, as armadilhas da honestidade, a fragilidade dos vínculos familiares, a força da internalização das normas sociais e a inexistência de privacidade numa sociedade vigiada1.
Este é um retrato vívido e comovente da vida de seres humanos na China de grandes mudanças e repressões. Ha Jin explora com sensibilidade as complexidades do amor, do casamento e da lealdade em uma sociedade que valoriza a conformidade acima da individualidade1. O livro também destaca a luta entre o desejo pessoal e a obrigação social, e a dificuldade de equilibrar as duas coisas1.
“A Espera” é assim uma leitura envolvente, porém enovelada, mas emocionalmente rica que oferece uma visão única da vida na China moderna. A escrita de Ha Jin é clara e evocativa, um pouco alongada para os padrões do romance atual, mas suas personagens são profundamente humanas e aceitáveis. Este livro é uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada em literatura chinesa contemporânea ou em histórias de amor complexas e emocionalmente carregadas1.
O contexto histórico do romance “A Espera” de Ha Jin.
“A Espera” é ambientado na China da década de 196012. Durante este período, a China estava passando por mudanças significativas como resultado da Revolução Cultural e outras reformas políticas e sociais13. O livro reflete essas mudanças através da história de Lin Kong, um médico que se debate entre dois mundos e duas mulheres completamente diferentes, enquanto avança pelos campos minados de uma sociedade que controla cada um dos seus passos e reprime as suas aspirações3.
O personagem principal, Lin Kong, tenta se divorciar de sua esposa, Shuyu, durante dezoito anos para poder se casar com Manna Wu, uma jovem enfermeira do hospital onde trabalha142. Este longo período de espera reflete as restrições legais e sociais da época, bem como a tensão entre os valores tradicionais e a modernização13.
Além disso, o livro explora temas como o medo da solidão, as armadilhas da honestidade, a fragilidade dos vínculos familiares, a força da internalização das normas sociais e a inexistência de privacidade numa sociedade vigiada13. Estes temas são profundamente enraizados no contexto histórico e social da China durante este período.
Carreira
Ha Jin ambienta muitas de suas histórias e romances na China, na cidade fictícia de Muji. Ele ganhou o National Book Award for Fiction e o PEN/Faulkner Award por seu romance Waiting (1999). Ele recebeu três prêmios Pushcart de ficção e um prêmio Kenyon Review . Muitos de seus contos apareceram nas antologias The Best American Short Stories . Sua coleção Under The Red Flag (1997) ganhou o Prêmio Flannery O'Connor de Curta Ficção , enquanto Ocean of Words (1996) recebeu o Prêmio PEN/Hemingway . O romance War Trash (2004), ambientado durante a Guerra da Coréia , ganhou um segundo prêmio PEN/Faulkner para Jin, classificando-o assim com Philip Roth , John Edgar Wideman e EL Doctorow que são os únicos outros autores que ganharam o prêmio mais de uma vez. War Trash também foi finalista do Prêmio Pulitzer. Jin atualmente leciona na Universidade de Boston , em Boston , Massachusetts . Anteriormente, ele lecionou na Emory University em Atlanta , Geórgia .
*Partes deste texto, p..ex.: sobre o autor, sua carreira, prêmios etc. foram compostos com apoio de Copilot, a ferramenta de IA da Microsoft.
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