Nova Iorque, 3 de outubro de 2024 - Com o coração e a mente na América, retorna-me inteira à lembrança a frase do escritor francês Albert Camus em seu Diário de viagem, na saída da França:
“América. Partida. Passou aquela ligeira angústia peculiar a qualquer partida...”
E, diante da exuberância de Nova Iorque, a angústia de Camus cede lugar à felicidade passageira:
"Os arranha-céus dourados giram e tornam a girar no azul acima de nossas cabeças.
É um bom momento.”
O que vivemos em uma viagem tem a ver com as emoções que acumulamos antes de realizá-la. A expectativa e a antecipação que nos espera, o sonhar acordado imaginando os lugares que queremos visitar, a preparação das malas e da mente para recebermos as informações novas, tudo isso vai moldando o que pode ser aquele mergulho em outra cultura.
De certa forma, uma certa angústia também preenche meus pensamentos com esta guerra atual que se agrava no Oriente Médio. É maior essa angústia quando assistimos às cenas de bombardeios nos jornais da Tv.
Ao iniciar esta jornada para visitar filhos e netos que moram aqui na América, senti o meu natural estado de felicidade ser, momentaneamente, pincelado pelos mesmos tons de cinza de Albert Camus ao pensar no que significa viver em um país em guerra.
Sei que conviver com outra cultura é sempre desafiador para quem se dispõe a um olhar sem barreiras. É preciso entender, mais do que o idioma, os hábitos dos nativos e as idiossincrasias de uma cultura diferente da nossa, à qual devemos nos adaptar por uma temporada. No caso de minha filha, que decidiu viver aqui, a adaptação exigiu sempre determinação ainda maior.
Durante todos esses anos em que visito a América, venho aprendendo a conviver com o trânsito, com os usuários dos cafés, dos restaurantes, dos teatros e até mesmo dos jogos de basquete e beisebol.
Convenci-me que a América é um país a ser decifrado.
Vários escritores tentaram fazer isso em suas obras e eu descobri com escritores americanos e imigrantes como desvendar esses mistérios. Nos livros encontramos a melhor fonte do que precisamos aprender a respeito de uma nova cultura, dos hábitos e das etiquetas deste país.
Na América constato que as pessoas mantêm um relacionamento respeitoso entre elas e encontraram a melhor forma de relacionamento com o Outro e com o espaço público, malgrado os pequenos desvios de conduta.
Albert Camus registra no seu “Diário de viagem” que nas ações beneficentes o americano contribui sempre com generosidade. E conclui: “sua hospitalidade e sua cordialidade são da mesma natureza de sua generosidade - imediata e simples. O que há de melhor neles.”
Essas qualidades me fazem admirar os americanos e me sentir confortável na América. Sempre me lembro que no orfanato em que fui criado e passei minha infância em Anápolis fomos alvos da generosidade americana que nos enviava roupas e alimentos. Essa é uma lembrança que me comove sempre e que não dói mais:
“Sonho a infância em Anápolis,
no abrigo, no orfanato,
à espera do almoço cheirando
a trigo da Aliança para o Progresso.”
- como registrei num poema do meu primeiro livro (Frágil armação). Hoje, aqui na terra de Melville e Whitman, estou à procura de ideias. Durante esta viagem vou buscar muito mais do que paisagens e monumentos, irei em busca de pessoas interessantes e virtuosas que me ajudem na descoberta.